Duas costuras elaboradas em preparação a 15ª ANPJB (Assembléia Nacional das Pastorais da Juventude do Brasil) intituladas
“A velocidade da vida contemporânea”, foram uma tentativa de esboçar um
panorama da realidade da juventude brasileira na complexidade da vida
contemporânea com o intuito de relacionar, de alguma forma, os desafios desta
realidade com a ação desenvolvida pelas Pastorais da Juventude do Brasil. Contudo,
suas reflexões podem contribuir, também, com os momentos de reflexão e decisão
sobre a vida de algumas organizações no seio da Igreja e movimentos sociais.
Ambas costuras tinham o intuito de despertar
os leitores para um novo olhar sobre a vida contemporânea, de modo especial
relacionado à vida da juventude, apontavam para um olhar cuidadoso, no sentido
de estarmos mais atentos à ampla e complexa realidade que estamos inseridos.
Será que estamos realmente inseridos? Se sim, como estamos? Estas indagações
foram um balizador da reflexão instigada, pois, muitas vezes nos deparamos com
ações desenvolvidas por diversos grupos da Igreja que parecem viver em um mundo
completamente fora da órbita da realidade atual.
Práticas cada vez mais recorrentes e mais amplas e que, preocupantemente
atingem e influenciam grupos que desenvolvem práticas embasadas em uma lógica
mais sólida e menos superficial no serviço à juventude. Encarar esta realidade
de ações superficiais no trabalho junto à juventude, faz-nos ou deveria nos
fazer questionar sobre nossa presença e atuação neste chão duro e árduo da
contemporaneidade tão evidentes.
É possível cometer equívocos, mas, diante da realidade
apresentada por tais organizações e por uma escuta profunda dos interlocutores
de suas ações desenvolvidas, esta pode apontar se tais ações apontam para um
enfrentamento ou fuga do mundo real. Na ação da Igreja Católica junto às
juventudes não podemos negar o diferencial dos serviços oferecidos pelos
Centros e Institutos de Juventude, que, junto a outras organizações presentes
na Igreja, como as pastorais da juventude, e organizações sociais, apresentam
significativa inserção na complexa realidade da juventude contemporânea da
sociedade de forma geral. Um importante exemplo é a Campanha Nacional contra a
Violência e Extermínio de Jovens, desenvolvida pelas pastorais da juventude.
Se assim é, o que acontece com a dinamização
das organizações eclesiais com missão voltada para ação social, política e
valorização da vida em plenitude que parecem a cada dia estarem mais
fragilizadas? Esta reflexão em que colocamos nosso olhar voltado para estas organizações
é apresentada de forma mais ampla por François Dubet em sua obra “El declive de la instituición”. Tudo aquilo que
ele apresenta em seu texto muito tem a dizer para as organizações sociais e
conseqüentemente para as organizações eclesiais que estão preocupadas com a
vida do povo. O texto aponta para algo que muitas organizações já vivenciam há
tempo. Mas, que, como uma reação comum nas instituições, fogem do enfrentamento
com o novo e de encarar que a proposta que as instituições tendem a defender
não corresponde mais as realidades que a vida contemporânea apresenta.
Algo a destacar na reflexão de Dubet é que
não são as instituições em si que estão em crise, mas os programas
institucionais que estas instituições tanto se recusam em modificar ou mesmo a
abandonar e, assim, entram em crise. Isso acontece muitas vezes pelo medo
gerado diante de propostas ousadas e renovadoras. Dubet aponta em seu texto,
que as novas propostas surgem para que as instituições tenham continuidade e
não para que elas acabem. Contudo, se há uma irredutividade a mudança, isso sim
levará ao declínio a instituição.
Para se pensar novas propostas, as
instituições não podem deixar de estarem em sintonia com seus
destinatários/interlocutores, no caso das instituições que esta reflexão se
destina, as juventudes. Sem um
movimento de escuta destes interlocutores, o máximo que se poderia fazer seria
uma reflexão teórica sobre tal realidade. Quem pode e deve dar conta de apontar
a direção a ser seguida é a própria organização, através do envolvimento de
todos os atores que fazem parte da mesma, sempre atenta à realidade em sua
totalidade, dando voz e vez àqueles a quem a ação é destinada, os jovens e as
jovens.
A leitura da realidade a partir dos sentidos
e das percepções dos/as jovens poderá dar uma evidência mais fortificada ao que
parece estar fragilizado. Este tipo de leitura nos permitirá, não só ver, pois,
a visão muitas vezes nos mostra o que parece ser e não o que de fato é. Uma
atenção neste formato nos levará a vivenciar diretamente a realidade concreta,
o que possibilitará oferecer, de fato, o que os atendidos necessitam e esperam
que se ofereça a eles. Lembremos o que disse certa vez Carmem Lúcia (da CAJU),
em um momento de planejamento e construção de um plano de ação. Ela indagava
sobre até que ponto o que estávamos oferecendo a juventude era o que eles
precisavam ou era o que achávamos que eles precisavam. Esta indagação dever
estar presente constantemente em nossa prática e em nossos planejamentos.
Pensar em uma leitura da realidade que
perpasse pelos sentidos e percepções da juventude é estar atento a toda
globalidade social dos indivíduos, tais como sua realidade: cultural,
econômica, política, étnica, identitária e religiosa, entre outros aspectos. Se
fecharmos os olhos será possível vermos nosso grande neotéfilo, Hilário Dick, pronunciar que: “isso de fato é ouvir os
gritos da juventude”.
A escuta dos gritos da juventude deve
provocar em nós um movimento de transformação e renovação de nossa prática.
Poderia se dizer que se há irredutividade de qualquer organização em rever seu
programa, demonstra que esta sofre do mal da institucionalização das
organizações sociais, que é a existência pela própria existência e não mais por
aquilo pelo qual a organização fora criada. O que são as escolas sem os
estudantes? O que são Igrejas sem os fiéis? E o que será de uma organização de
formação juvenil sem o e a jovem e suas associações de pares? As organizações
de formação juvenil surgiram para a juventude e, se isso hoje se tornou
secundário, esta organização perde o sentido de sua existência. Hoje, é preciso
voltar os nossos sentidos para aqueles para o qual estas organizações surgiram
e de onde jamais deverá se afastar.
Nossa releitura da realidade, feita a partir
dos gritos da juventude, e da escuta das percepções dos atores envolvidos
direta e indiretamente na vida das organizações eclesiais ou não, apontarão os Novos
Rumos para as organizações juvenis na Vida Contemporânea.
Nota: É envolvido pelo desejo ardente de continuidade destes espaços que esta
costura se materializou e espero que possa servir de provocação de novas
reflexões para estas organizações ao momento em que pararem para rever e
escrever mais uma página de sua história, carregado da história de tantos e
tantas protagonistas que iniciaram estes projetos tão belos, que sofreram,
resistiram e lutaram para construir uma proposta à favor da vida da juventude.
DUBET,
François. El declive de la instituición. Barcelona: Gedisa Editorial, 2006.
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