Tivemos uma briga eu não sei o
motivo. Tudo começou após eu ter publicado um poema lindo que costurei. Não
entendi aquele telefonema, aqueles comentários agressivos, não consegui entender
toda aquela raiva transmitida por aquele anjo, o anjo do mais belo sorriso. Não
podia ser verdade, aquilo não podia estar acontecendo.
Ela dizia: “para quem você escreveu aquele
poema? Eu sei que não foi para mim.” E eu questionava se todo poema escrito foi
escrito a alguém. Como saber se um poema foi escrito para essa ou aquela
pessoa, ou como ela sabia que não foi escrito para ela?
Impulsionado por essas indagações
resolvi ligar para ela e perguntar. E ela me disse: “está escrito nas
entrelinhas”. Entrelinhas? Que porra é essa? Eu mal sei escrever as palavras
que mal aprendi na escola. Entrelinhas..., seria um gênero literário ou uma
ortografia ensinada nas academias para os futuros imortais da Academia
Brasileira de Letras? E como ela sabia ler essas entrelinhas, estaria ela
pretendendo tornar-se uma imortal? Não creio, ela não. Sempre achou que essas
coisas eram coisas de quem não tem o que fazer e por isso consegue perder tempo
escrevendo coisas inúteis que ninguém lê, então, não acredito que teria mudado
de opinião em relação aos poetas, os vagabundos natos. Entrelinhas! Ela sabia
ler as entrelinhas. Ela leu em minha costura, e como ela leu se eu não escrevi?
Mais um mistério que me aguçava a curiosidade.
Passei o dia inteiro pensando
sobre quem poderia ter escrito algo nas entrelinhas da minha costura. A noite
chegou e não conseguia dormir, o galo já estava em seu quarto canto da
madrugada, quando eu cansado daqueles refluxos mentais sentia meus olhos pesados
e não conseguia lutar mais contra o desfalecimento do meu corpo, que se estirava
sobre aquela cama cheia de história para contar. Antes de pegar completamente
no sono, ou já estaria sonhando? Não sei. Mas, da cama me vi ali, seguindo em
direção a minha escrivaninha, acendi as velas que deixavam o quarto a meia luz,
pus uma música ambiente, acendi o incenso e peguei uma de minhas costuras
completas e me pus a escrever sobre ela, eu usava uma caneta de pena, dessas que
só se vê em filmes antigos de reis e rainhas. Estranhamente, à medida que ia
escrevendo as palavras iam sumindo. Curioso por aquilo que via ali, em minha
frente, perguntei a mim: o que estás escrevendo e por que as palavras que
escreves somem? Eu (minha alma) olhei
para mim e sorri, e sorrindo respondi: “essa é forma de comunicação entre as
almas, só elas são capazes de ler, ou as pessoas de espíritos livres, que
conseguem ver além do que está dado, do que está posto, do que é possível olhar
e ver. Isso são as entrelinhas dos textos que você escreve enquanto estás
acordado”.
Foi quando comecei a entender, as
entrelinhas são os escritos das almas, são nossas almas se comunicando entre
elas. Aproveitando de minha alma que estava ali pronta para me livrar daquelas
dúvidas e daquele mistério voltei a perguntar: Mas, como meu amor sabia ler as
entrelinhas dos meus textos se são comunicação entre as almas? Se ela sabe ler,
não deveria saber que essas entrelinhas são escritas para ela? Minha alma me
olhou mais uma vez com aquele sorriso nos lábios e me disse: “Você nunca
estranhou que ela tenha um sorriso tão belo e encantador e que você tenha a
amado desde a primeira vez que a viu sorrir?” Sim, sempre achei, respondi.
Pois bem, devo dizer-te um
segredo, mas deves guardar contigo. Sim, pode contar, eu disse. “Ela é um anjo
em tua vida, que antes do nosso nascimento já nos amava e cuidava de ti, quando
nós fomos escolhidos para encarnar, ela impulsionada por esse amor, resolveu
cair e nascer humana, para assim cuidar da gente aqui.” Mas, você não respondeu
o porquê de ela não saber que estas entrelinhas são escritas para ela e mais,
se ela é um anjo porque sente raiva? “Entenda, ela decidiu nascer humana, para
isso, deve esquecer ou mesmo perder suas habilidades angelicais e consequentemente
adquirir sentimentos próprios do humano. O que isso quer dizer? Que algumas
habilidades ela conservará como saber ler as entrelinhas do que você escreve,
quer dizer, eu, ou melhor, nós escrevemos, mas nem sempre distinguira se essas
entrelinhas são para ela, e a raiva, isso é coisa do ciúme, coisa do amor
humano”.
Ciúme, eu precisava saber mais
sobre isso e resolvi aproveitar o momento que estava de frente com minha alma e
continuar minha consulta astral para entender um pouco mais sobre esse
sentimento, foi quando comecei a ouvir cantos de passarinhos, latidos e vozes, uma
canção que repetia as mesmas notas e cada vez ficava mais alta, e mais alta.
Todo aquele barulho não me deixava compreender o que minha alma me dizia e então
despertei com aquela canção alta, repetitiva e irritante, era o despertador
tocando e o cachorro latia irritado por aquele barulho. Lembrei-me do diálogo noturno
que teria tido comigo e rapidamente olhei em direção a minha escrivaninha e
vejo apenas, minhas costuras, como havia deixado na noite anterior, as velas
acesas que talvez eu tenha me esquecido de apagar e o som ligado que também eu
tenha ligado antes de dormir, então percebi que aquilo tudo tinha sido um sonho.
Mas, uma coisa me deixou intrigado, aquele cheiro de incenso.
Um comentário:
Mais uma vez peço licença ao meu caro pescador para costurar um retalho nessa fabulosa costura. Enquanto Lia esse texto minha boca foi se enchendo d’água. Só uma das várias reações estranhas que acontecem quando me deparo com coisas que mexem comigo. Coisas que me agradam ou aguçam os sentidos.
Passeando pela costura, decidi que deveria expor o que senti ao lê-la. Só algumas reações registradas pelos meus primitivos sentidos...
Uma questão interessante a respeito de poemas ser escritos a alguém: (esses deveriam sempre vir escrito “a fulano” ou “para cicrano”. São um problema poemas dedicados a ninguém. Sempre identifico os donos dos meus...
“Vagabundos natos”: adorei a opinião dela a respeito dos poetas. Adorei no sentido mais contraditório possível... Se você consegue me entender... Não concordo (por motivos óbvios) e por isso adorei.
“Aquela cama cheia de história para contar”: Fantástico! Lindo isso. Não sei como te dizer o quanto isso mexeu comigo. Ao mesmo tempo em que o SER só é o que é pelas experiências vividas (o que nos faz interessante para os outros são nossas histórias de vida e o que nos tornamos por causa delas) queremos sempre que o outro seja uma folha em branco para que possamos escrever nossas histórias. Talvez por isso tenha sido inevitável sentir uma pontinha de CIÚMES. Ao mesmo tempo me senti feliz por ser parte das histórias dessa cama (afinal, a sua cama ou a cama de suas costuras... Toda cama tem histórias pra contar... a propósito, você é a primeira história desse meu colchão - isso foi só uma observação)
“Eu (minha alma) olhei para mim e sorri”. Arrepiei-me inteira quando li... Ainda estou arrepiada. Não sei o que comentar. Ainda não compreendi o que estou sentindo...
“Ver além do que está dado”. Lembrei-me do Pequeno Príncipe em seu diálogo com a raposa que conhecia muito bem os homens e seus sentimentos: “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos”. Sábia raposa.
“As entrelinhas são os escritos da alma”: Lindo isso e me remeteu a um trechinho de um poema que escrevi dedicado a ninguém: “(...) o que pode talvez estar escrito nas entrelinhas desses infinitos espaços...” Será que alguma alma sabe ler minhas entrelinhas? Fiquei pensativa a respeito disso...
“Ela é um anjo em tua vida”. Engraçado, me lembrei do comentário que fiz em nossa foto e que hoje mais cedo havia apagado por achar sentimental demais (minha racionalidade falando mais alto) e depois de ler esse trecho, resolvi voltar com a frase que pertence a nossa foto.
E por fim, “coisa do amor humano”, o ciúme. Minha curiosidade em saber o que sua alma te disse a respeito do ciúme... Esse que em minha opinião é um dos sentimentos mais complexos do ser humano. Ah! Como eu gostaria de saber...
Linda costura pescador. Só me faz ver cada dia mais quão especial é você. Um jeitinho de entrar um pouco mais na sua vida.
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